sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

PASSAR POR CIMA

Mais um passo, sem confundir com os já dados. Uma subida começa, quase como uma parede, não sei dizer os graus , mas é bem íngrime. Nem me acostumo e já aparece uma lombada. Para quem anda a pé conhece. Sabe a diferença.
Qualquer obstáculo já dificulta. E pra ajudar ainda me vem a chuva. Sempre nas horas em que menos esperamos. Começa fraca e conforme vou me encharcando ela fica mais forte. E assim antes mesmo de dizer Nabucodonossor estou todo molhado.

Sempre a espero no ano novo, sinto que ela vem para limpar toda sujeira deixada no ano passado. É uma torcida anual pra falar a verdade.

E a chuva aumenta, mas as passadas continuam as mesmas. Sempre objetivas e conscientes. Mais um buraco pedindo desvio, e na hora você sente o quanto poderia andar menos sem o mesmo.

Sem ver o final da subida é até amedrontador, a rua escura quase esfumaçada pelo calor diurno, nem preciso olhar nas luzes para confirmar o quanto de água cai do céu. Eu sentia.

Como todo desvio ou obstáculo que na minha frente aparecia sugava mais e mais de minhas forças. Aumentando a caminhada que se mostrava diferente e percebida, mas sempre objetiva. Sei onde quero chegar e o que enfrentar. Pois se você sabe complicar, eu sei passar por cima.

Estou no meio da ladeira e aqui não vou ficar. Nem me esconder dessa chuva bloqueadora de pensamentos. Se você deixar ela entrar no seu coração, seu corpo fraqueja e a procura de abrigo será seu primeiro pensamento. Tomo ela como uma dádiva divina de pura força que me faz caminhar sem parar. Quero tudo. Lutar, engolir, não importa o que me aparecer eu vou passar por cima. Estou pronto.

As pernas já não agüentam mais, cada passada me leva ao máximo de esforço. Pesadas como concreto, e exposto ao frio gelado, começo a tossir. A roupa toda encharcada, sinto o começo de uma gripe. Sem vacilar não gaguejo nos passos e sigo meu destino como um mercenário de primeira linha.

Chego ao fim da ladeira contente, e vejo o último soldado. Uma escada surge no fim da subida. Enorme, mas é a que leva ao meu destino. Nem penso na dor, nem na tosse temporária. Subo degrau por degrau, buscando o que é meu. Não cheguei até aqui para discutir ou brigar. Venho como um atropelo sem limites. A vitória é minha sem discussão.

A cada degrau sinto meu corpo querer sentar, em um canto qualquer, quero descanso. Mas a consciência é mais forte e através dela chego ao topo. Estou a poucos metros do meu destino, e agora sem mais dificuldades tenho na mente os problemas passados. Tudo se mostra sem tanta dificuldade, e sem saber se estou mesmo consciente ou não até torço por outra ladeira daquela. Pois a graça alcançada é de grande valor. Valeu a pena lutar, quebrar, torcer, chorar. Estou aonde quero. Onde mereço. Tudo depende simplesmente de uma lutar diária, e essa foi só mais uma delas.

texto de Fernando Thadeu Fonseca dos Santos

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Dentro de um cigarro

- Ufah! Achei uma tabacaria nessa merda. Não fumo desde manhã, e a Fábia é enrolada. Gosta de me fazer esperar.
- Boa tarde! Por favor um cigarro ligth. Não sei se é melhor, mas acho que morro no mesmo tempo que outras pessoas que fumam um cigarro normal, só irei fumar mais. Esse é mais fraco! E não engorda!
Saio da tabacaria no processo de abertura do maço. Puxa a fitinha, desenrola pelo maço, puxa o selo e rasga a entrada. Pronto! Tenho cinco minutos pra Bia. E pra mim também .

Achei a tabacaria em uma ruazinha dentre várias do centro comercial onde a Bia faz curso. Essa rua é um pouco ingrime. Venho me equilibrando desde a primeira tragada. Olhando para baixo reparo que o pessoal aqui é limpo. Nada na calçada, depois encontro uma lixeira pra jogar essa bituca. Ando bem devagar admirando tudo por perto, e me deparo com um papai noel de pelúcia no chão de uma loja. Parei bem no começo da vitrine. De onde estou, ainda vem uma vitrine grande, a porta e outra vitrine menor.
Toda enfeitada de caixas de produtos de beleza. Algumas continham perfumes combinados com colônias. Outras caixas com sabonetes, shampoo's, cremes para cabelo. Tudo bem organizado, chamava muita atenção. Tanto que já estava na terceira tragada e nem tinha percebido a segunda.

Olhei para dentro da loja, e vi o movimento fraco, as vendedoras uniformizadas passeavam de um lado pro outro e no balcão uma pessoa me olhava paralisada. Na mesma hora paralisei também, e só tive o reflexo de levar o cigarro até a boca e dar mais uma tragada.
- Meu Deus minha ex !
Como amei essa pessoa, pensamentos, lembranças, momentos, tudo é despejado em meus olhos em uma rapidez que minha paralisia parece me contorcer agora. Seu olhar imita o meu, e sinto sua paralisia surpresa por me ver ali também. Minha barriga geme, mas não é de fome, sei lá. O que ela está fazendo aqui ? Trago outra vez.

Ela tinha uma caixa dessas nas mãos em cima do balcão. E se encontrava atrás do mesmo e ao lado do caixa. Seu olhar não se desviava, enquanto eu já tragava pela sexta vez. Era a única coisa que eu conseguia fazer. O cigarro parece derreter em minhas mãos suadas. Perco a noção do tempo, como a pessoa de lá de dentro. E quando menos espero, reparo no seu olhar um leve desvio. E um aumento da surpresa
- Oi amor! Um beijo maravilhoso me pega de sopetão em plena paralisia de admiração. Era a Bia.
Valeu a pena esperar, quando ela saiu da minha boca lembrei porque resolvi namorar com ela. Um beijo desses não é fácil de arrumar... Ela é um anjo. Não a amo como amei aquela, mas tenho de tudo com ela. Sei que esse sentimento vem aumentando e chegará ou passará aquele da pessoa dentro da loja e atrás do balcão.
- Demorei muito?
- Olha! Vai me comprar um perfume? Dei mais uma tragada e tentei me colocar no lugar. - Não. A primeira já foi. Agora eu tenho que responder logo antes que ela me faça outra pergunta, ou veja aquela estátua lá dentro da loja, olhando pra mim.
Antes de responder dou a tragada de número sete ou oito. - Dá azar Bia. Dizem que dar perfume pra namorada dá azar. - Não quero te perder.
- que lindo! Mais um beijo e assim volto ao normal. A ex lá dentro ainda paralisada, mas consciente de que não deu valor ao meu amor oferecido. Não quero nenhum mal a ela, fiquei surpreso pelo encontro, quase me afogo no passado. Mas a vida segue, tenho a Bia agora, ela eu não sei como está. Mas pelo seus olhos, vi que sente minha falta, só quando perdemos que vemos o quanto era bom e o valor que aquilo realmente tinha. Dou a última tragada e jogo a bituca no chão. O lixo está longe demais. Busco sua mão macia e cheirosa, e saio da visão da outra. O carro está na rua de cima.
- Vamos "mininalinda"!?!?!
- Eu quero só ver então o que você vai me dar. Presente você quer ?!?!
- Eu te amo Bia.
- Eu que te amo primeiro "fofuxo"!


texto de Fernando Thadeu Fonseca dos Santos