segunda-feira, 24 de março de 2008

"Vida fácil?"

- "Acabou. Não via a hora desse lixo sair de cima de mim. Fedido, e só fala bosta."
- Nossa heim! Você é muito gostosa.
-
"Não diga? E você é nojento." - Obrigada.
Preciso estudar pra sair dessa vida.
"Tá cada dia mais pior". Ontem foi aquele xarope que me deu um soco na cara, quando eu disse que não ia com ele porque estava bêbado demais. Outro dia um espertinho falou que tinha esquecido a carteira no carro e me deu um perdido. Me fodeu duas vezes o filhadaputa! - "Estou cansada desses tipos."
É acho que vou ver aquele esquema com a Marcinha. Tá com um monte de roupa nova, e disse que tá cheia de namorado bonito. Ela até me chamou outro dia pra fazer ponto com ela na São João. Não acreditei muito naquela estória de fazer programa na hora do almoço, mas acho que preciso tentar. Um monte de escritório perto, os clientes estão todos cheirosos e arrumadinhos. Uma mistura de homens de terno (
sou louca por homens de terno), e molecada nova louca pra fazer o que eles veêm na internet. Fora é claro, que o preço do programa é bem melhor. Trabalhando mais uns dois anos eu já consigo me arrumar.
- Posso tomar um banho rapidinho?
- Não tem chuveiro no banheiro.
- Humpf!
"Ainda quer reclamar?" Mas também isso aqui tá uma merda mesmo. E ele nem está assim tão xapado como pensei. Mas está fedido. Quando eu vim pra cá, aqui era bem falado. Hoje dá até nojo, uma espelunca das piores, deve ser por isso do meu desânimo. É sair daqui e ir pra estrada. - "Aff."
- O quê?
- Nada. Quer dizer, trinta conto.
- Ué!?! Eu já não paguei?
- "
Pronto. Mais um que esqueceu a carteira no carro. Ele que venha com essa estórinha que eu viro bicho aqui." - Não gato. Você não me deu nada, só prazer até agora. Lindo!
- Opa! Então toma ai.
-
"Agora sim me deu prazer". Tá certo gato. Vamos sair? Já deu o horário também. "E eu não aguento mais ficar aqui com você."
-
Opa! Vamos.
Saio do quarto e no corredor fica nosso banheiro menos sujo, me despeço do fedido e entro pra carregar mais um pouco a maquiagem. Arrumo a roupa, carrego no perfume da Cristhina, dou um tapa no cabelo e saio com o sorriso no rosto. Garota que não sorri não ganha dinheiro. E por saber que hoje é meu último dia aqui, já estou feliz imaginando os bonitinhos que vão me dar dinheiro amanhã de tarde.
- Oi coisa linda.
- "
Oi coisa estranha." - Tudo bem querido? Quer dar uma trepada?



Este texto faz parte do programa que participo com alunos na faculdade para o blog
Pândega.

segunda-feira, 3 de março de 2008

São Paulo Marginal

Eram para ser vinte caixas. Não acreditei que caberiam todas no carro, mas pela persistência dos sabedores de entregas acabei influenciado. O carro parecia mais um avião, com aquele bico levantado e a traseira quase lambendo o chão, lotado de caixas de folhas sulfite.
Por onde vamos e que horas são, foram questões que vieram na minha cabeça quando saímos a caminho de nossa entrega. Estávamos na zona oeste e a entrega seria na zona sul. Saber se o horário é propício e se existe algum caminho para fugir delas é essencial. Paulistano de carteirinha sabe que para atravessar a cidade precisa pegar as famosas marginais Pinheiros ou Tietê, um martírio para sanidade humana, pois o nome marginais, significa trânsito e stress. Seguiríamos pela Marginal Pinheiros até o fim, isto é, trânsito e stress até o final. Precisávamos fugir de comandos policiais também, afinal polícia gosta de parar aviões quando estão fora dos aeroportos.
A pessoa que inventou o cigarro com certeza estava em uma das duas marginais em São Paulo. Só assim para enfrentá-las
Logo na chegada na marginal, vimos as pontes que dão acesso a ela forrada de caminhões e carros. Pessoas falando no celular, outras cigarreando como nós, outras discutindo, outras dormindo, e outras querendo passar por cima do mar de veículos. Tudo parado, agradecemos ao inventor do cigarro e começamos o martírio. Depois do mesmo cd tocar três vezes conseguimos passar o carro velho que parava uma das maiores cidades do Mundo.O caminho a seguir é tranqüilo, cheio de visões abstratas. Arranhacéus sendo construídos, outros mostrando toda sua imponência, favelas, mais carros e todo tipo de construção bem organizada, como trens ao lado de rio, casas nos morros, fios elétricos cobrindo o céu aberto para todos os lados e pontes caindo aos pedaços. Os motoristas são os personagens de viagens como essa. Vemos desde moleques dirigindo carros velhos e carros novos nunca vistos dirigidos por gente velha. Fechadas, caminhões esbravejando fumaça, mudanças de faixa, típica de gente perdida, carros voltando de ré, para um acerto de caminho, tudo que toda cidade grande tem, ou melhor que em São Paulo têm. Não é possível acreditar que isso exista em outras cidades. Crescer assim desorganizadamente não é pra qualquer um. São anos de experiência, e isso São Paulo tem de sobra. São 458 anos. São muitos anos, melhoras são quase impossíveis, e quando tentam causam mais complicações. Somos obrigados a enfrentar esta maratona para servir nossos clientes. Chegar, descarregar e receber nos faz esquecer que São Paulo difícil é essa de se sustentar. Na mesma medida de oportunidades que ela oferece, encontramos obstáculos. Tudo na mesma quantidade, na mesma proporção e com a mesma intenção.



Este texto faz parte do programa que participo com alunos na faculdade para o blog Pândega.

texto de Fernando Thadeu Fonseca dos Santos