segunda-feira, 3 de março de 2008

São Paulo Marginal

Eram para ser vinte caixas. Não acreditei que caberiam todas no carro, mas pela persistência dos sabedores de entregas acabei influenciado. O carro parecia mais um avião, com aquele bico levantado e a traseira quase lambendo o chão, lotado de caixas de folhas sulfite.
Por onde vamos e que horas são, foram questões que vieram na minha cabeça quando saímos a caminho de nossa entrega. Estávamos na zona oeste e a entrega seria na zona sul. Saber se o horário é propício e se existe algum caminho para fugir delas é essencial. Paulistano de carteirinha sabe que para atravessar a cidade precisa pegar as famosas marginais Pinheiros ou Tietê, um martírio para sanidade humana, pois o nome marginais, significa trânsito e stress. Seguiríamos pela Marginal Pinheiros até o fim, isto é, trânsito e stress até o final. Precisávamos fugir de comandos policiais também, afinal polícia gosta de parar aviões quando estão fora dos aeroportos.
A pessoa que inventou o cigarro com certeza estava em uma das duas marginais em São Paulo. Só assim para enfrentá-las
Logo na chegada na marginal, vimos as pontes que dão acesso a ela forrada de caminhões e carros. Pessoas falando no celular, outras cigarreando como nós, outras discutindo, outras dormindo, e outras querendo passar por cima do mar de veículos. Tudo parado, agradecemos ao inventor do cigarro e começamos o martírio. Depois do mesmo cd tocar três vezes conseguimos passar o carro velho que parava uma das maiores cidades do Mundo.O caminho a seguir é tranqüilo, cheio de visões abstratas. Arranhacéus sendo construídos, outros mostrando toda sua imponência, favelas, mais carros e todo tipo de construção bem organizada, como trens ao lado de rio, casas nos morros, fios elétricos cobrindo o céu aberto para todos os lados e pontes caindo aos pedaços. Os motoristas são os personagens de viagens como essa. Vemos desde moleques dirigindo carros velhos e carros novos nunca vistos dirigidos por gente velha. Fechadas, caminhões esbravejando fumaça, mudanças de faixa, típica de gente perdida, carros voltando de ré, para um acerto de caminho, tudo que toda cidade grande tem, ou melhor que em São Paulo têm. Não é possível acreditar que isso exista em outras cidades. Crescer assim desorganizadamente não é pra qualquer um. São anos de experiência, e isso São Paulo tem de sobra. São 458 anos. São muitos anos, melhoras são quase impossíveis, e quando tentam causam mais complicações. Somos obrigados a enfrentar esta maratona para servir nossos clientes. Chegar, descarregar e receber nos faz esquecer que São Paulo difícil é essa de se sustentar. Na mesma medida de oportunidades que ela oferece, encontramos obstáculos. Tudo na mesma quantidade, na mesma proporção e com a mesma intenção.



Este texto faz parte do programa que participo com alunos na faculdade para o blog Pândega.

texto de Fernando Thadeu Fonseca dos Santos

Um comentário:

Zúnica disse...

gostei do texto pela verossimilhança. A cena que você descreveu é algo típico, real, cotidiano, então não é difícil se sentir dentro do texto, ver o que você viu, saber exatamente qual a sensação de ficar preso num congestionamento. No entanto, faltou um pouco de tempero.

Podia ser humor, podia ser sarcasmo, podia ser lirismo, podia ser preciosismo lingüistico, enfim. Faltou uma pitadinha daquilo que torna o texto sobre a nossa vida mias saboroso do que a nossa vida.

Tem um pouco de repetição também. POr exemplo, você cita duas vezes seguidas "a pessoa que inventou o cigarro". A idía é realmente interessante, mas a repetição tira o brilho.

Mas, no final, é um texto sutil, leve, gostoso de ler.